Vida Real.



Então ouviu-se um barulho estranho na porta. Nada. Tudo o que se podia imaginar era falso. Todas as alucinações, todos os calafrios, todas as promessas, tudo falso. Não importava mais. Ele já não se importava mais.

Quisera ele ter sido aceito no mundo assim como acontece com os extrovertidos, mas ele não tinha sequer uma parcela da sorte que esses costumam ter. Tudo bem, afinal ele mesmo fez seu caminho até aqui. Nunca dependera de ninguém para concluir seus sonhos. Sim, ele tinha sonhos. Muitos se tornaram realidade, mas os que sobraram se tornaram pesadelos intensos com corcéis negros e luzes cegantes. Ele havia se acostumado com tudo.

Ele não precisa mais se importar. Tudo aquilo que havia conquistado, lutado por, dado seu sangue para ter agora já não fazia mais sentido. Mas ele não esperava por nada. Não naquela manhã. Ele queria ter somente mais um monótono e rotineiro dia. Mas foi justamente naquele dia em que tudo começou a mudar, e elas mudaram rápido. Não houve tempo para se pensar no que fazer, muito menos no que planejar. Mas ainda havia a confiança. Confiança nele mesmo, claro, afinal as aspirações de outrem devem ser esquecidas.

Barulho, maldito barulho. Ele não gostava do barulho. A luz, já havia cessado, o que trazia uma grande carga de conforto. Mas o barulho ainda o incomodava. Ele precisa pensar. Tudo o que ele queria era pensar.

Parado ali, na beira do mundo, ele tomou sua decisão. Estava pronto para se suicidar. Ele queria isso. Não que ele fosse fraco, mas ele não tinha refletido o suficiente para ter uma opinião própria formada sobre o próprio suicídio. Com tudo o que passara, achou que estava na hora de acabar com tudo. Ninguém entenderia. Ninguém nunca entende.

O tipo de pessoa que teve tudo na vida. Riqueza, fama, ser invejado, ele tinha tudo. Mas ainda faltava algo. O externo, isso ele havia completado de maneira satisfatória, mas o seu interno clamava por algo.

Ele pensou mais uma vez, agora olhando para baixo. Trinta e seis andares até o fim. Daria tempo de repassar toda a vida. Mas não era isso que ele queria.

O tipo de pessoa que foi completamente realizada, a qual todos invejavam. Por que tais mudanças? Por que tudo isso? Ninguém nunca disse que haveria respostas para essas coisas. Com certeza agora não há.

A face de um gato, o gesto de uma namorada afetuosa, o carinho de uma mãe cheia de ternura. Ninguém nunca saberá o que lhe fez perceber que esses anos todos não valeram de nada.

Uma ultima olhada. Ele quer se assegurar que tudo dará certo. Ele não admite erros, nem falhas.

Mas suas percepções mudaram com um simples olhar. Um olhar que desperta a atenção até dos mais distraídos. Um olhar feminino. Não há mais o que falar sobre isso. Mas naquela manhã ele se entregou ao seu desejo. Ele não a podia ter, mas era egoísta demais. Nunca havia pensado desta maneira antes. Ele havia se apaixonado.

Talvez essa fosse uma linda historia de amor, se não tivesse um final trágico. Trigésimo sexto andar. Topo. Lá estava ele, a beira do prédio, como se fosse ter aula de vôo daqui a cinco minutos. Ele estava pronto para fazer o que ninguém jamais teria coragem de fazer. Ele estava decidido, sabia o que tinha de ser feito. Ele não conseguiria mais viver sem o amor daquela mulher.

Ele não se lembraria dos minutos seguintes por um longo tempo. Mas eu me lembro.

Lá estava ele, como se fosse pular do prédio. Não há ninguém esperando por ele lá em baixo. Não há gritos de “Pula” nem nada assim. Está calmo, mas há uma porta que faz um barulho que entra em sua cabeça de modo destruidor. Ele quer acabar com tudo de uma vez. Ele se decide.

Ele sabe que essa não foi a melhor opção, mas era viver com ela ou sem ela. Talvez atira-la do trigésimo sexto andar do prédio onde mora não tenha sido uma boa idéia. Pelo menos ele sabe que ela não existe mais, nunca sobreviveria.

A vida continua.

Um comentário:

Miguel Sacri dos Anjos disse...

Arrepiante.

O blog todo, aliás, me arrepia quase que a cada parágrafo.

Mas sobre esse texto. Vou responder com outro texto meu. Segue:

" O que acontece com os sonhos mortos? Eles não têm direito à túmulo, a eles não se concede epitáfio.
Vão pro céu ou pro inferno os sonhos mortos? Iriam talvez pro céu os sonhos bons e pro inferno os sonhos maus? Ou talvez eles não possam partir, talvez fiquem aqui nos assombrando.
Um sonho morto é como uma necrose, como um câncer na alma que se espalha, pouco a pouco...
E aqueles que matam os sonhos? Não deveriam estes serem punidos, bem como deveriam ser os que nos roubam a felicidade? Ou por acaso não são criminosos os assassinos e os ladrões?"