Dia-a-dia com hífen


- Tu mudou.
- Mudei o quê?
- Mudou. Só.
- Cresci, cortei o cabelo, fiz a barba.
- Não tô falando de físico.
- Tá falando de quê então, guria?
- De sentimento.
- Que sentimento, querida? Nada mudou, eu te amo, tu me ama e a gente vai continuar se amando. Simples assim.
- É exatamente isso que mudou. Tu me ama. E só. Tu não inventa nada novo, nada legal pra gente. Não me faz uma surpresa desde o aniversário da minha vó.
- Mas eu tô trabalhando, amor.
- Não justifica. Eu também tô trabalhando, estudando e fazendo o escambau. Mas sempre tentando te agradar. Pô, Ju, custa fazer um agradinho pra tua namorada de vez em quando? Custa?
- ...
- Ah, cansei.
- Cansou? De quê? Por quê? Como?
- Tá vendo? Tu nem presta atenção em mim. Eu tenho me sacrificado pelo nosso namoro. Não quero mais.
- ...
- Acabou, Junior.
- ...
- Tu não vai falar nada?
- Tem o que falar?
- Tá, te dou mais uma chance. Me traz um chocolate.

Oba, lá vem ela...


Mas a pedra não daria o braço a torcer. “Eu nunca vou mudar” dizia ela, mesmo assim a água insistia “Mas meu amor, você tem que mudar, por mim”. E tempos se passaram e a pedra não mudava. Por mais que ela amasse a água, uma pedra é uma pedra.

Porém a pedra não estava disposta a desistir do seu amor. O fato era que não era culpa da pedra ela não querer mudar. Com o perdão do trocadilho, ela era uma pedra cabeça dura. Claro que ela poderia simplesmente tentar mudar e fazer tudo ao contrario, mas ai ela deixaria de ser uma pedra, coisa que não queria.

A água bem que tentava, era apaixonada por aquela pedra. Muito apaixonada. Todos os dias, a todos os momentos, ela se jogava de encontro à pedra só para poder senti-la. Aquilo a confortava. Mas havia algo que ela não gostava – a pedra nunca mostrava nada por ela. Por mais que a pedra dissesse o quanto gostava da água, ela não demonstrava reações. Mas a água não desistia e repetia incansavelmente a sua rotina de beijos e abraços na pedra.

Sem muito o que fazer, a pedra aproveitava o mais que podia. Ela adorava toda aquela paparicação. Mas o tempo era cruel com a pedra. Com o passar dos dias ela já não sentia mais a mesma sensação de outrora, já não se sentia revigorada a cada encontro. O tempo passava e a pedra começava a mudar.

Mas a água continuava a mesma. Ela ainda nutria a mesma paixão pela pedra. Mesmo com toda essa paixão cega, ela começou a notar que a pedra estava estranha, diferente.

Ela já não brilhava mais com as gotas que a água deixava em sua superfície. Mas a água queria acreditar que tudo aquilo era só invenção sua. Mas não era. E a pedra ficava mais esquisita a cada dia. Houve um tempo que a água tentou não se preocupar, mas agora era iminente, a pedra estava diferente – e ela estava desaparecendo.

O desespero tomou conta da água. Ela estava perdendo seu amor aos poucos e era obrigada a acompanhar cada minuto dessa perda agonizante. A pedra já não respondia mais aos seus chamados, não brilhava com seus gotejos. A pedra parecia somente mais uma pedra no meio de muitas, uma pedra que estava sumindo, desaparecendo.

A preocupação da água só aumentava, ao contrario da pedra, que cada vez menos podia ser vista. Conviver sem ter seu grande amor, mesmo que tendo sido pouco correspondida, era demais para a água. A água já não produzia suas costumeiras altas ondas, ela já não brilhava mais. Ela estava morrendo.

E foi então que aconteceu o inesperado. “Água, você pode me ouvir?” disse uma voz. “Pedra? É mesmo você? Meu grande amor?” respondeu a água, sem acreditar no que poderia estar acontecendo. A pedra, vendo que não poderia mudar nunca, desistiu. Não desistir da vida ou da água, mas desistiu de ser uma pedra. Aos poucos e com o passar do tempo, ela deixou que a água, seu grande amor, a destruísse, a fizesse em pedacinhos, para que assim ela pudesse ficar com quem sempre amou, mas que nunca teve como corresponder do jeito que queria.